domingo, 24 de julho de 2011

Direito de olhar as nuvens


Porém o tempo, a consumir-se em fúria,
Não me amedronta nem me martiriza.      
Por ser estreita a senda – eu não declino,
Nem por pesada a mão que o mundo espalma;
Sou dono e senhor do meu destino.
Sou o comandante da minha alma.

(W. E. Henley in Invictus - Trad. de André C.S. Masini)
               

Distante azul, por Sergia A.


Um dia desses recebi de uma amiga uma crônica atribuída à Danuza Leão, que falava das exigências do nosso tempo e da total falta de liberdade para dedicar-se ao prazer das pequenas coisas, como deliciar-se com a sobremesa preferida sem sentir culpa pelas calorias ingeridas, sentar no sofá, apagar a luz e ouvir a musica que nos emociona sem pensar no tempo que poderia ter sido dedicado a algo mais produtivo, ou ainda deitar-se numa rede e ler aquele livro que está na cabeceira há tempos esperando um bom momento que nunca chega sem angustiar-se pelo quanto as horas de sono perdidas interferirão no desempenho do trabalho no dia seguinte. Fiquei pensando nos valores preconizados pelo modo de vida acelerado em que embarcamos e o quanto as tais pequenas coisas ganham outra dimensão quando se muda a perspectiva do olhar.

O fato é que vivemos um tempo repleto de contradições. A informação se multiplica e se renova a cada instante e nosso cérebro treinado para processar e reter entra em colapso pela angústia de não conseguir manter-se no domínio. Ao desejar a perfeição em todos os campos em que atuamos afrouxamos as rédeas da nossa própria vida, delegando-as à louca roda-viva como se isso não fosse uma escolha nossa. No entanto, há sempre uma escolha. Nesse momento em que o prazer de ver um esporte nos obriga a olhar para a África do Sul, me vem à mente a escolha de Nelson Mandela, a escolha que não permitiu que décadas de prisão e trabalho forçado subjugassem a sua mente, a escolha que não permitiu que sua alma cedesse à submissão ou à sede de vingança.

Sabiamente, no tempo de confinamento, em meio ao cansaço físico pelo trabalho nas pedreiras, Mandela escolheu estudar a cultura do opressor. Era preciso entendê-la para montar estratégias de combate. Paralelamente, se permitia o pequeno prazer de encantar-se com a poesia do inimigo. Ali encontrou o alimento para sua alma brutalmente machucada. Na leitura prazerosa, tantas vezes repetida, do poema inglês Invictus (1875), que inspirou o filme homônimo de Clint Eastwood (2009) e hoje inspira este texto, Mandela garantia sua sanidade e fortalecia o sonho de liberdade, não da sua individual, mas de uma nação inteira. No filme, baseado no livro Conquistando o Inimigo do jornalista inglês John Carlin, um Nelson Mandela, já presidente, supera a resistência dos seus aliados e escolhe o perdão e a reconciliação como um caminho para a unificação do seu país, usando novamente como arma a cultura e o prazer do inimigo: o campeonato mundial de Rúgbi. Aprendera com a mudança de perspectiva que a palavra, o perdão e o prazer eram armas bem mais poderosas que as usadas por seu povo na época do confronto.


Invictus, by Clint Eastwood
Fonte: YouTube


Como essa, a História da humanidade está recheada de pequenas histórias de vida inspiradoras. Vidas que, independente do combate diário, não se deixaram diluir no mar furioso do tempo porque souberam diversificar o olhar sobre as pequenas coisas, conscientes do seu direito ao prazer sem culpa. A experiência que o tempo me presenteia sopra baixinho no meu ouvido dizendo que o acaso existe para nos apontar caminhos e que escolhas satisfatórias estão sempre baseadas na paz de espírito, cujo segredo repousa em fontes pequeninas. Aquelas que se acompanham de um brilho no olhar, e que nos induzem a valorizar apenas o que encontra eco no nosso íntimo. Há, portanto, que se enaltecer as palavras do poeta que desafiam a inexorabilidade do tempo, e reafirmar que se tornar senhor do destino significa, antes de tudo, não abdicar do comando da alma.

Teresina, 01.07.2010

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