sábado, 3 de setembro de 2011

O Tecido da Espera

Loreena Mckennitt . Fonte: Youtube


Now that the time has come
Soon gone is the day
There upon some distant shore
You’ll hear me say


Long as the day in the summer time
Deep as the wine dark sea
I’ll keep your heart with mine.

Till you come to me.[1]
Tenho fascínio por dicionários. Talvez por serem eles, de alguma forma, os guardiões da palavra. É com eles que me entendo quando me atormenta a angústia de encontrá-las. Foi assim que ao rever o filme Cold Mountain (2003) me dei conta que a língua portuguesa faz uso da mesma palavra – esperar - para definir o ato de aguardar, o que corresponderia na língua inglesa, por exemplo, ao verbo “to wait” e o ato de ter expectativas e desejar que no inglês seria “to hope”. Para nós, falantes da língua portuguesa, parece não haver uma clara definição dos limites entre esperar algo, alguém ou um evento e ter esperança, os múltiplos significados parecem estar naturalmente encerrados na abrangência da palavra “esperar”.

Dirigido pelo cineasta britânico Anthony Minghella (1954-2008), o filme baseado no romance histórico Cold Mountain (1997), do americano Charles Frazier (1950-), tem como cenário a guerra civil Americana (Guerra de Secessão 1861-1865), e trata em sua temática de duas faces do nosso verbo “esperar”. Com idas e vindas no tempo, narra simultaneamente a jornada de Inman, um soldado confederado e desertor, em seu perigoso retorno da guerra movido pela esperança de encontrar a sua amada, e a longa e penosa espera de Ada Monroe, noiva de Inman, em um lugar chamado Cold Mountain. Não há como não perceber que o livro e o filme são recriações de Odisséia de Homero. Há um diálogo intenso em termos estruturais (narrativa não linear e simultânea do retorno de Ulisses e da espera de Penélope) e nos significados que podem ser construídos. Inman luta desesperadamente pela sobrevivência, enfrentando ameaças de toda sorte, e acreditando que no fim o espera uma vida feliz, longe de uma guerra sem sentido. Como Penélope, Ada, enquanto espera, tece a duras penas a vida em uma fazenda e na comunidade ao seu redor porque acredita no retorno da normalidade e de um tempo feliz. Um tecido montado com fios de lágrimas, esperança e de um amor infinito. Não seria exagero dizer que no filme o tão esperado encontro dos amantes é, por sinal, responsável por uma das mais belas cenas de amor do cinema.

No mundo do nosso tempo, onde homens/mulheres poderosos continuam encontrando motivações para a guerra, Penélope e sua espera há muito deixaram de ser referência pela passividade que podem traduzir. Que o diga o tom de revolta em sua voz recriada pela escritora canadense Margaret Atwood (1939-) em A Odisséia de Penélope (2005). No entanto, fugindo da questão de gênero, vemos Inman e Ada como seres humanos que diante de circunstâncias adversas desenvolvem motivos inconscientes para amar e esperar, no amplo sentido português da palavra. Tecer a espera e a esperança, mesmo em tempos em que tudo se dissolve com o vento, parece continuar atendendo nossa necessidade de vínculos fortes para manter a vida.

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[1] Loreena Mckennitt in Penelop’s song.

Uma possível tradução:

Agora que a hora está chegando
Em breve o dia vai findar
Ao longe em uma praia distante
O que digo você ouvirá

Alongado como o dia no verão
Profundo como o escuro mar
Eu manterei junto ao meu o seu coração
Até que para mim você possa voltar.

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