- eu escuto esse escândalo!”[1]
Um convite para ouvir Manoel de Barros me bateu forte, não dando oportunidade à recusa. À noite lá estávamos, amigas de longa data em volta de uma mesa sob o calor de setembro e os acordes de um violão que se alternava à leitura dos poemas. Os sons e ritmos ora da poesia ora do violão embrenhavam-se nos ouvidos atentos e nos outros nem tanto, construindo a atmosfera singular do ambiente e do momento.
Quem nos via de longe, em algazarras sussurradas aos ouvidos talvez não compreendesse e nos tomasse por um grupo pouco afeito à sensibilidade poética que motivara o encontro, e mais devotado aos prazeres gustativos do tomate recheado e do bom tinto servidos no lugar. Entretanto, assim como a poesia e o vinho que possuem alma e grande poder inebriante, o besteirol que se apropria dos encontros de amigos é também irresistível. Os primeiros pelo poder de nos tocar profundamente e nos conduzir, talvez por caminhos distintos, ao êxtase. O segundo pelo alívio do deixar cair a máscara da sensatez imposta pela vida, e sem receio olhar nos olhos e dizer o que vier à tona sobre o assunto que se colocar na unicidade daquele instante. Daí a razão da não resistência ao triplo apelo.
Ouvimos Manoel de Barros? Talvez não com a sobriedade exigida, no entanto a força de sua poesia se fez ouvir encontrando formas misteriosas de, entre uma taça e outra ou entre bobagens ditas ao acaso, impor-se não apenas pela leitura momentânea dos poemas deixados à mesa mas por leituras outras que de forma inevitável acontecerão invisivelmente no silencio das noites, deixando “apenas que a emoção perdure / Fique na nossa vida fresca e incompreensível / Um mistério suave alisando para sempre o coração”.
Escrito em set/2006.
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[1] Manoel de Barros in O Livro das Ignorãnças
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[1] Manoel de Barros in O Livro das Ignorãnças
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